Acompanhei na tarde de ontem (28), a segunda votação do Projeto de Lei 1353/23, mais conhecido como Transporte Zero – ou como ainda insisto em chamar, Cota Zero, pois esse projeto nada mais é do que uma releitura do PL 668/19 -, na Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, e infelizmente, a proposta foi aprovada por 15 votos favoráveis a 8 votos contrários.
É verdade que o texto votado nesta quarta-feira é um substitutivo do aprovado na primeira votação, mas ainda assim, não melhora em muita coisa a proposta original do governo do estado. A nova redação do PL propõe que o auxílio pago para os pescadores passe a ser de um salário mínimo durante três anos, o que continua sendo muito pouco e deixando desamparado, por mais dois anos, as famílias pesqueiras. E, mais do que isso, a promessa se torna ainda mais vazia pois não dá explicações de onde sairia esse recurso financeiro e qual seria o impacto econômico deste benefício aos cofres estaduais.
Assisti indignado a ALEMT dar aval a essa medida enviada às pressas pelo governo no estado de Mato Grosso para a Casa de Leis, e colocado em pauta pelos parlamentares da casa em caráter de urgência, sem estabelecer diálogo com pesquisadores, ribeirinhos e os órgãos interessados no tema da pesca, para, em conjunto, pudessem entender e debater com estudos, dados e o próprio relato de quem vivencia essa realidade, os motivos que causam a redução do estoque pesqueiro nos rios mato-grossenses (causa pela qual, segundo o governo do estado, o projeto Transporte Zero se justifica), e buscar soluções em comum acordo para essa questão.
Pra mim, está mais que claro que os interesses dessa lei não tem a ver com a proteção das espécies de pescado nativas dos rios de Mato Grosso, pois não se resolve esse problema proibindo a pesca artesanal daqueles que mais cuidam e respeitam os nossos rios, a população ribeirinha.
Os reais inimigos das espécimes de pescado presentes no rios mato-grossenses, como alguns deputados estaduais já muito bem disseram e eu faço coro com eles, são as usinas hidroelétricas, a pesca predatória em período de piracema, os agrotóxicos que contaminam o solo e a água, o desmatamento, o garimpo ilegal, o lixo e o esgotam que poluem as águas, dentro outras questões que tem causado diversos impactos ecológicos. Fiscalizar esse tipo de atividade, por exemplo, seria uma maneira muito mais eficaz de combater o desaparecimento das espécies de peixes dos rios de Mato Grosso do que extinguir o modo de subsistência de milhares de famílias pesqueiras, mas nessa solução o governo do estado não pensou.
Hoje, são cerca de 15 mil famílias que sobrevivem da pesca difusa no estado, pessoas que sempre exerceram essa atividade, que muita das vezes é passada como tradição, de geração em geração. Pessoas que têm na pesca sua principal fonte de renda, seu trabalho que garante a comida na mesa para toda sua família. É uma crueldade proibir a prática de uma atividade como a pesca difusa, que é totalmente legal, de profissionais que amam o que fazem, sabem como fazer sem causar danos ao meio ambiente, e necessitam disso para se sustentar.
Uma proibição de cinco anos, como é o sugerido por esse projeto, não causa só impactos econômicos nas cidades que têm forte atividade pesqueira, mas também afeta financeiramente a vida das famílias pesqueiras. Além disso, a medida contribui para a dizimar a cultura tradicional popular ancestral dos ribeirinhos mato-grossenses, ao propor que eles migrem de profissão e não sejam impossibilitados de dar continuidade na atividade econômica que, mais do que prover o pão de cada dia para eles, também faz parte do modo de viver dessas comunidades.
Proibir a pesca, transporte, armazenamento e comercialização não vai resolver o problema da escassez dos peixes nos rios mato-grossenses. Essa medida só traz problemas como a miséria e fome para essas famílias trabalhadoras e o empobrecimento econômico e cultural do nosso povo. Deveríamos, neste momento, estar em discussões de como incentivar e fortalecer a pesca artesanal como profissão para preservar nossos rios, e não o contrário. É inadmissível que o poder público e os representantes do povo estejam trabalhando contra ele, extinguindo uma atividade totalmente sustentável.
De toda forma, a previsão é que essa lei só passe a valer em 2024. Até lá, continuarei em diálogo com o Ministério da Pesca e Aquicultura – o qual já divulgou nota técnica classificando o Transporte Zero como de alto impacto e dando parecer de posição contrária ao projeto e ao substitutivo -, com parlamentares do estado contrários a esse PL, com representantes da sociedade civil e lideranças dos pescadores, para que juntos, tomemos as medidas cabíveis e judicializemos essa proposta, pois entendemos que ela é inconstitucional e não pode ser implementada.
O recado que deixo aos ribeirinhos e a toda população mato-grossense que apoia a causa dos pescadores é para que não desanimem. Perdemos uma batalha, mas não a guerra. Estamos trabalhando em conjunto para que a vida e a sobrevivência do povo pesqueiro não seja destruída por uma caneta desumana do governador. Tenham certeza de que vamos entrar na justiça contra esse projeto de lei absurdo e teremos uma luta boa pela frente.