A “democracia de marketing” em que vivemos, em um mundo extremamente pautado pelas mídias sociais, em que quaisquer ações podem ser multiplicadas em milhões de clicks, com milhares de interpretações diferentes, tornam a governabilidade de um país cada vez mais refém de resultados de curto prazo. A quantidade de informações pulverizadas sobre as ações governamentais obrigam o governante, especialmente quando se trata da maior liderança de um país, a ter foco em onde se quer chegar, e ter consciência dos desafios impostos. A guerra de narrativas fake, mais que nunca, tem contaminado o ambiente da discussão política a ponto de terem se tornado matéria-prima de dogmas de fé política .
O grande desafio do Presidente Lula em seu início de Governo, tendo a compreensão de que seus resultados devem ser de longo prazo (quatro anos), e não de curto prazo (100 dias), está em se expurgar os fantasmas dos problemas impregnados no imaginário popular por uma narrativa política que nega a democracia e a importância das instituições – se não nega, ao menos não tem consciência da importância destas. Comunismo, socialismo, urnas fraudáveis, descrença e descredibilização das instituições, ideário militarista, luta contra um suposto “kit gay”, contaminação ideológica das relações comerciais contra parceiros importantes como a China, depreciação ideológica do setor público brasileiro, maculação das universidades, insinuação de desconfiança e desincentivo às ações preventivas dos programas de vacinação no Brasil, entre outros tantos espectros caricatos que estão longe das principais dificuldades e sofrimentos do povo brasileiro.
Em uma analogia do Brasil com um barco a vela, pôde-se afirmar que Lula em seus 100 primeiros dias alinhou bússola e ajustou a vela para que os ventos da democracia brasileira guiem o Brasil para um confronto como os males que verdadeiramente assolam e assombram milhões de famílias brasileiras.
O combate à fome, a recuperação de uma economia forte que proporcione oportunidades de emprego com maiores salários e maior distribuição de renda, o fortalecimento da indústria nacional, a reforma agrária, o restabelecimentos das relações externas diplomáticas e comerciais, o combate ao feminicídio, o combate ao racismo em todas as suas formas, o fortalecimento da soberania brasileira, a ampliação do acesso à universidade, reajuste da merenda escolar em 40%, ganho do real do salário mínimo, ampliação do bolsa família, proteção ambiental e da população indígena e quilombola, que diga-se de passagem, estão aqui antes de nós, e a criação de oportunidades aos brasileiros e brasileiras que carregam inúmeros sonhos no coração.
Em meio a uma política de desinformação e de invectiva moral a qualquer custo, sem projetos de país para o longo prazo, como fez Getúlio Vargas que criou a CLT, o então BNDE, a Petrobras e como Juscelino Kubitscheck responsável pela ampliação de 140% da malha rodoviária brasileira e do fortalecimento de nossa indústria, vou me incumbir da missão de desmentir, desmistificar e retificar a posição de alguns colegas de parlamento da oposição dos quais discordo profundamente, mas respeito o direito de expressarem suas opiniões ainda que, ao meu ver, são opiniões formadas utilizando-se de óculos com lentes distorcidas.
Muitos dos oposicionistas convictos batem na tecla de que a gestão do Presidente Lula, tem “caráter fortemente intervencionista”, responsável por um horroroso déficit fiscal”, por constantes “intervenções na Petrobras” e por grotescos ataques ao Banco Central, supostos símbolos de um governo que professa uma profunda “fé na estatização” e em ações de moldes “comunistas”. Cabe aqui esclarecer, com o mais da franqueza sincera, alguns pontos importantes ajudando nossa gente brasileira a entender os problemas complexos da forma como devem ser tratadas, com a mesma abstrusidade, e não com golpes de frase feita que em nada contribuem com um rico e proveitoso debate.
O primeiro ponto que gostaria de chamar a atenção é de que o governo brasileiro não funciona como uma empresa privada, como parece imaginar pitorescamente a corrente liberal, mas como um ente do Estado que tem deveres constitucionais dos quais não pode se abster. No entanto, para exercer sua vocação em plenitude, existe no meio do caminho gastos e custos, por vezes, incorrendo no indecoroso déficit fiscal, em outras palavras, o governo em um ano mais “gastou” que arrecadou. O ponto nevrálgico a ser destacado é que o superávit fiscal é uma “ficção contábil”, ou seja, uma convenção de contabilidade social que nos ajuda a compreender e administrar as contas públicas do país. Portanto, sendo uma convenção, não é absoluta e, quando necessário, pode ser relativizada de forma responsável para atender aos interesses do povo brasileiro.
Para exemplificar e tornar mais palpável esse “economês”, podemos dizer sobre um ano em que o país termine com um déficit de 100 bilhões, por exemplo. Tal fato não cria problemas se há um planejamento de ajuste fiscal e monetário, a partir das receitas e despesas, que vá propiciar o crescimento econômico de forma que, no ano seguinte ou no ano subsequente a este, o Brasil possa alcançar superávit em suas contas, sem deixar de atender as privações pelas quais passam os brasileiros. A isso costuma-se nominar “crescimento sustentável”, muito distinto do praticado no último ano do ex-Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, que se utilizou de PEC do parcelamento de pagamentos de precatórios e privatizações pra realizar um superávit em um ano referência que não continuariam nos anos seguintes. Seria como se um cidadão vendesse a geladeira pra pagar a conta de luz. E no mês seguinte, como se virar sem a geladeira? Ações nesses moldes caracterizam mera maquiagem eleitoral que no dia seguinte escorrem como maquiagem borrada pelo rosto do Estado brasileiro.
Em relação aos supostos ataques ao Banco Central cabe mencionar com veemência que não se trata de agressão à instituição, mas de críticas fortes e contundentes a uma política de juros por parte de um governo legitimamente eleito. As críticas não são feitas ao acaso ou como uma roleta russa, mas de maneira muito bem fundamentada, especialmente ao se entender que as causas da inflação brasileira (que tem trajetória de queda) não se dão por pressão de demanda, da busca por produtos, mas sim por fatores circunstanciais dos preços administrados, dos choques de oferta da guerra entre Russia e Ucrânia e dos seus efeitos sobre insumos que impactam o preço dos alimentos no Brasil. Em nada disso a taxa de juros, que funciona como medida econômica de contração da demanda e do consumo, afeta os fatores causadores da inflação brasileira. Portanto, entendemos que a política monetária conduzida pelo Banco Central está seriamente equivocada vindo a prejudicar empresários e trabalhadores. Afeta os empresários como um soco no estômago capaz de esvaecer o fôlego, pois a taxa SELIC (taxa de juros de referência) elevada encarece o crédito e a capacidade de financiamento para a expansão da atividade produtiva empresarial. Prejudica os trabalhadores por limitar seu acesso ao crédito devido ao encarecimento deste que, por fim, respinga de volta nos empresários ao verem suas vendas caírem provocando uma desaceleração de toda a economia que só pode resultar em um círculo vicioso com prejuízo a toda a nação.
Caminhando na estrada de nossa análise, impossível não nos atermos ao aspecto do comunismo tão utilizado como retórica eleitoral desde os anos 50 com o intuito de amedrontar nosso inconsciente coletivo. Chega a ser cômico a associação deste com intervencionismo estatal. O comunismo é muito mais que mera intervenção estatal. Se constitui de todo um planejamento central da economia de modo a substituir o mercado pelo domínio coletivo dos meios de produção nas mãos do Estado, realidade que não chega sequer a soprar aos ouvidos do Brasil. É importante se destacar que para haver livre mercado tem que haver muita participação do Estado em termos de legislação e organização do cenário econômico financeiro pra garantir seu livre funcionamento, mas essa reflexão fica pra outro momento. Sempre que o comunismo entra em pauta se tem como modelo o socialismo soviético pós revolução de 1917, ou seja, um modelo fruto de uma revolução política num determinado momento histórico. No Brasil existem partidos que defendem, sim, e pregam a revolução como PSTU, PCO, dentre outros, que fazem oposição declarada a Lula. Ora, este não é o caso do Partido dos Trabalhadores que já teve Lula como Presidente do Brasil por 8 anos e o que se viu foi um governo que buscou transformações reformistas buscando a conciliação entre empresários e trabalhadores, longe de ações revolucionárias, de forma bem distinta dos acampamentos em frente aos quartéis Brasil afora que observamos em diversos municípios no período pós eleições de 2022.
Um dos principais espantalhos alvo das críticas mais vorazes no que tange a “intervenção do Estado” é a Petrobras. Torna-se imperativo desenganar os enganados. O que o atual governo busca da Petrobras é a soberania de uma empresa estatal que não existe para dar lucro, mas para atender as necessidades da sociedade brasileira, a alicerçado em instrumentos como pesquisa, inovação e investimentos. O objetivo desses instrumentos é o melhor custo benefício aos brasileiros dos derivados de petróleo e gás, a partir da prospecção, extração e refino dos produtos e que enxerga nas ações enviesadas de privatização a qualquer custo, o abrir mão da capacidade de trabalho interno dos preços dos combustíveis com a mínima dependência internacional possível. Essa é a visão de um governo que tem a consciência de ser um país emergente que não pode se pendurar na volatilidade dos preços internacionais. Soberania e independência são as palavras chave.
Há aqueles que ainda podem alegar que o comunismo do Partido dos Trabalhadores não tem, a priori, caráter revolucionário político, mas preparam uma prévia revolução cultural a partir do chamado “marxismo cultural”, proliferado nos grupos de extrema direita, que também trabalharei em outro momento, pois se trata de guerras de narrativas, das quais todo e qualquer militante político, de direita ou esquerda, liberal ou social-democrata se utiliza, e por vezes acredita, nas instâncias do debate político.
No que diz respeito a invasões de terra por parte do MST serei bem sucinto e objetivo: não devem ser permitidas e avalizadas. O que deve ser trabalhado é o apoio justo e legítimo à reforma agrária, que não tem nada de pauta comunista, mas tema de imensa responsabilidade social, num país onde muitos concentram milhares de hectares para produzir e exportar sem pagar impostos devido a sua influência com os agentes políticos, enquanto outros não tem terra pra plantar e sobreviver. Esse demanda social deve ser resolvida a partir de políticas governamentais responsáveis de compras de terras improdutivas por parte do governo, como já foi feito no passado e será feito novamente.
Ademais, muita acusação, por vezes sensacionalista ao explorar a confiança do povo, também se faz em relação ao número de ministérios, 37, se comparado a média dos dois últimos ex-presidentes, Michel Temer, 23 e Jair Bolsonaro, 23. Existe impacto fiscal dessa ampliação? NÃO! Em sua grande maioria foram apenas feitas divisões de pastas com a mesma estrutura orçamentária pra garantir a a eficiência das ações de governo, garantir a governabilidade sem precisar se utilizar de orçamento secreto e, principalmente, para garantir a representatividade das minorias que, importente frisar, não são minorias “quantitativas” mas minorias “sociais”. Como exemplo deveras relevante temos a população negra que consiste em mais de 50% da população brasileira e é considerada “minoria”, pois não se trata de números, mas de grupos historicamente excluídos e que precisam da ação do Estado, não para obterem vantagem, mas para terem acesso ao maior nível de equidade possível a partir da redução de suas desigualdades perante a sociedade. Não merecem representatividade e politicais sociais específicas a população negra com o Ministério da Igualdade Racial? Não merecem também representação política a população indígena que vive em muitas regiões do Brasil em situação precária e desumana como vimos no caso dos Yanomamis, com o Ministério dos Povos Indígenas? Usei apenas dois casos simbólicos a título de exemplo para demonstrar que o custo é pequeníssimo e os benefícios são fonte de dignidade.
Ainda em tempo em que já caminho para o fim deste artigo, acabo de receber o vídeo de uma colega deputada que critica o Presidente da República por afirmar em uma reunião ministerial pública que “esse país -Brasil- só não quebrou até agora por causa do dinheiro que deixamos de reserva há 20 anos atrás”. A postagem deixa duas possibilidades subentendidas na fala do Presidente. Uma, a de que o recursos “economizados” pela gestão fiscal nos governos Lula garantiram a sustentabilidade das contas públicas, o que seria espalhafatoso, tendo em vista que Lula deixou a presidência há 13 anos atrás. A segunda, a de que seria bravata, conversa fiada, discurso demagogo. Acontece que nenhuma das duas assertivas acima encontram respaldo na realidade. A verdade é que foram justamente as reservas cambiais, no valor de 300 Bilhões, que a gestão do Presidente garantiu como proteção da economia brasileira e evitou que o Brasil pudesse quebrar como o acontecido em países como a Argentina. As causas da crise de nosso país vizinho são muitas, sendo uma das principais a falta de divisas, leia-se, dólares.
Um país precisa de moeda estrangeira para transacionar com outros países. O que se passa é que, especialmente os países emergentes, quando tem déficit em conta corrente, ou déficit na balança de pagamentos (nas suas compras e vendas com o exterior), precisam recorrer a empréstimos externos, o que provoca o chamado “endividamento externo”, muito, mas muito mais perigoso que a dívida interna pois aquela é feita em moeda estrangeira, a qual não emitimos. Foi justamente isso que quebrou o Brasil na década de 80 durante o regime militar e na transição dos anos 90 para os anos 2000 na gestão de FHC, quando precisamos recorrer ao FMI para empréstimo de moeda estrangeira para pagarmos nossas dívidas.
O caso da quebra do Brasil durante o governo FHC é mais recente e mais simbólico, por isso cabe uma rápida ilustrada para compreendermos a importância do que Lula realizou ao garantir as reservas cambiais. Do advento do plano real o Brasil optou por uma “âncora cambial”, ou seja, uma decisão político-econômica que segurasse o câmbio e evitasse sua subida, de forma que mantivemos por um bom tempo 1 real valendo 1 dólar, algo impensável em nossos dias. Essa estratégia foi escolhida, dentre outros motivos, para evitar a contaminação da inflação pelo dólar tendo em vista que muito da nossa produção depende de produtos importados, portanto, com a conversão do valor do real para o dólar “congelado” evitaríamos essa contaminação inflacionária. Mas tal mecanismo não consegue se manter numa canetada, pois para manter 1 real valendo 1 dólar, precisa-se de consistência na realidade, e para que isso acontecesse o Brasil precisou “bancar” o dólar, custeá-lo, utilizando de suas reservas cambiais, ou seja, a quantidade de moeda estrangeira que o Brasil tinha em estoque para se proteger de crises externas. Acontece que para manter o câmbio fixo o Brasil passou a consumir rapidamente suas reservas que caíram pela metade em menos de um ano, gerando extrema desconfiança nos investidores, o que provocou uma recessão profunda na qual o Brasil precisou ser socorrido por empréstimos do FMI (Fundo Monetário Internacional), pois sua dívida em moeda estrangeira bateu praticamente 8% do PIB, saltando de 15 bilhões para 40 bilhões em apenas um ano.
Esses acontecimentos foram temas muito debatidos durante as eleições presidenciais de 2002, na qual acusavam o candidato Lula de intentar um calote na dívida, o que colocaria o Brasil em isolamento internacional e consequente desastre econômico. Lula se elegeu e, não só pagou a dívida com o FMI a partir de sua gestão econômica, como veio a ser credor do FMI e ainda garantiu as reservas internacionais de 300 bilhões de dólares que garantem até os dias de hoje, nossa proteção contra a vulnerabilidade externa.
Fiz questão de abordar esse tema para desmentir mais uma das fakenews e reafirmar os fatos históricos e reais e demonstrar que um governo que teve responsabilidade fiscal por 8 anos, trabalhará com o mesmo espírito por mais 4 anos. Concluo celebrando o redirecionamento do Brasil com a vela inclinada para o progresso, acompanhado de um lado pela esperança e do outro pelo trabalho árduo. Ainda faltam muito mais que 100 dias que serão preenchidos com muita dedicação, comprometimento, união e reconstrução do Brasil!